PERDIDO NA 25 DE MARÇO
Estive na popular rua 25 de Março, no centrão antigo de São Paulo. Como se sabe, esta rua e suas imediações formam um grande pólo de comércio no país. Pessoas do Brasil inteiro circulam por lá em busca de itens para usar ou revender em suas cidades.
Tenho um amigo paulista que diz que para ir na 25 de Março nos dias de muito movimento seria preciso depilar o corpo inteiro, besuntá-lo com óleo, vestir uma sunga e sair gritando sem parar: “COM LICENÇA, COM LICENÇA”. Ainda bem que vou em janeiro, pensei, quando o movimento é um pouco mais calmo. Não me depilei. E fui de calça. Erros gritantes.
Até agora não sei direito o que fui fazer lá. Não tinha a intenção de fazer grandes compras, voltar carregado de sacolas. Tampouco pensei em trazer produtos para revender. Olhando em perspectiva, penso que fui como um curioso, um pseudo antropólogo, para observar o comportamento humano num templo de consumo.
Saí do metrô São Bento e, zum, o primeiro choque: você é inserido num filme em fastfoward. Uma romaria de consumidores subindo e descendo a ladeira Porto Geral. Segui a corrente e fui descendo (e me perdendo).
CABELOOOO. ÁGUAAAAAA. PENDRIVEEEE. Gritavam vendedores ambulantes. Na correnteza humana passavam bebês de colo, policiais, meliantes, sacoleiros, turistas. Gente de todas as cores, todos os cortes de cabelo, todos os sotaques e olhares.
Vi quatro homens-estátuas, decorados para coletar moedas da população. Vi um violeiro evangélico que por quatro horas entoou seus cânticos, “guiado por Deus”, como dizia o adesivo em seu violão. Comprei um pendrive NA RUA. Original, embaladinho, 128 gigas, 40 reais que saíram por 20 só porque eu disse duas vezes que não queria. Acho que explorei o cara, pensei. E então lembrei da “lei” que um aluno que costuma ir para o Paraguai me contou: NÃO COMPRA NADA NA RUA!. Tarde de demais, pensei, torcendo para que o troço funcionasse quando chegasse em casa.
Entrei num edifício-camelódromo. Coisa de louco. Você dá dois passos e está na China! Milhares de orientais. Nos quatro andares do prédio centenas e centenas de camelôs falando chinês nos pequenos estandes. Viva a globalização. Todos com extrema dificuldade para falar português. Com pressa e encurvados, almoçavam quentinhas de comida chinesa. Lá dentro um aperto. Milhares de pessoas a passo lento. Profusão de bolsas, relógios, camisetas, badulaques eletrônicos, cacarecos digitais, tranqueiras de plástico, pilha, cores, sons e cifras.
O banheiro era impensável.
Quis sair do congestionamento humano. Era meio confuso. Cada andar dava para uma rua diferente, cada porta também. Tudo mal sinalizado. Estava já pensando em aprender chinês e arrumar um serviço por lá. Seria mais fácil do que achar o caminho de volta.
Por sorte achei a rua e iniciei o caminho de volta. Em frente a uma loja de fantasias, um pelotão da escola de samba Vai-Vai arrepiava num sambão muito bem tocado. Duas mulatas requebravam em trajes mínimos, represando o fluxo de pessoas.
Era encantador. A força do samba parando o comércio (embora fosse uma estratégia de marketing alertando para o carnaval). A música e as mulatas magnetizando o povo. Havia imprensa também, além de dezenas de celulares, iphones e tudo mais gravando a cena.
A massa rapidinho tomou conta da rua, parando o trânsito normalmente lento da 25. Como é bom ser brasileiro, eu pensava, mochila nas costas, sentindo toda a onda da bateria da Vai-Vai tomar conta do mundo.
Quando a polícia começou a se aproximar para liberar a rua, resolvi sair dali antes que a chapa esquentasse. Coloquei a mochila de lado para me mexer melhor e... surpresa. O bolso pequeno da frente estava aberto. Sorrindo pra mim. Como é bom ser brasileiro.
Ainda bem que eu não tinha deixado nada ali. O tempo armou e interpretei como um sinal para cair fora. É claro que o pendrive não funcionou. Era usado e tinha sido meticulosamente adulterado.
Acho que agora sei o que fui fazer lá: fiz um curso rápido de consumo consciente. Lições: não compre nada da rua. Não compre por impulso. Pesquise o produto antes de comprá-lo (modelo, preço, design). Vá de sunga e besuntado e de boné. Além de deslizar melhor entre o povo, muita gente vai pensar que você é artista e pingar moedinhas no seu chapéu.
PS:
Este link ensina a diferenciar um pendrive original e um pirata:
http://www.superdownloads.com.br/materias/cuidados-adquirir-pen-drive-kingston-falso.html
Rodrigo Espinosa Cabral