Um Astronauta em Plutão
O primeiro frio do ano chega como uma tropa invasora. Ele transforma o mundo e, de repente, você se vê num planeta alienígena.
Você olha pelo vidro e o frio está ali, à espreita. Quase invisível, mas você nota que as árvores estão mais quietas do que de costume. Não há mais crianças na rua e as mulheres passam encasacadas, encurvadas. Passos rápidos.
Se você ousa abrir a janela para “renovar o ar”, ele entra como filhotes de cachorro bagunçando a casa. O vento balança seu cabelo e petrifica suas mãos. Você acha roupas esquecidas no fundo do armário. Se tiver sorte, pode encontrar dois reais secos, em algum bolso.
Mas a escola, o trabalho ou a fome te puxam para rua. Missões para seu astronauta interior.
Sem capacete, sem o traje espacial, mas com o uniforme da empresa (ou escola) você caminha contra o vento. Nariz vermelho. 7 e 15 da manhã. 3 graus no termômetro do trevo do Monge. O corpo mais desbotado. Um astronauta em Plutão. Ninguém sorri. As moscas entraram em extinção. Nuvens cinzas mordem o ar.
A cidade é (quase que) só sua. Você observa as plantas do “planeta distante”. Como sobrevivem aqui? Algumas se livram de todas as folhas (contenção de gastos). Hibernam. Priorizam o necessário. Talvez árvores-que-são-ursos. Você podia fazer o mesmo. Mas tem CPF, conta corrente e uma porção de boletos que não dormem nunca.
O que te salva é o Sol. Sua luz quente leva 8 minutos para percorrer os 150 milhões de quilômetros do astro-rei até sua pele. É quase que um cordão-umbilical nutrindo tudo que é vivo. Viva o Sol!
O celular toca. “Houston, we’ve had a problem.” A nave espacial da mente voa de volta à realidade do planeta Terra. Plutão vai ter que esperar.
Rodrigo Espinosa Cabral