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Palavra Andante


Caçador, 1513

Peguei o Jonas Ramos numa manhã luminosa de outono e, devido ao sacolejo do ônibus e o calorzinho do sol, acho que fui entrando num transe, olhando a cidade na subida da Salgado Filho.

Como era tudo aquilo ali antes?

Antes dos imigrantes, antes dos monges, no tempo dos índios. Devia ser um carreirinho, uma trilha entre os pinheiros. O indiozinho que andasse por ali deveria ficar abismado com os troncos seculares das imbuias, das araucárias e tantas outras árvores que há muitas décadas viraram lenha, casas e galpões.

De dentro do ônibus fui pensando no hipotético curumim. 12 anos de idade, descendo a escarpa, mais ou menos onde hoje é o Cereal. Olhos atentos ao movimento das sombras, o sol procurando tocar o chão da floresta. Ouvidos aguçados no chocalhar das folhas, no canto dos pássaros.

Um macaco salta. Duas araras voam. Ele sobe num ipê-roxo e lá de cima avista o vale que se estende em ondas verdes até tocar o céu azul. A beleza é tão grande que sente uma pontada elétrica na barriga e tem vontade de fazer xixi. E faz. Lá de cima do Ipê, se divertindo muito com o longo fio líquido que parte dele até encontrar o solo, 30m abaixo.

Ele não sabe, mas 500 anos depois dezenas de carros ziguezagueiam apressados no asfalto. Sem trânsito nenhum, lá de cima, ele vislumbra o Rio do Peixe brilhando. O céu refletido em suas águas. Sorri.

Desce feliz. Mas com medo das onças, jaguatiricas, curupiras e njamulus. “Felicidade é ter medo e fazer algo para enfrentar o medo”, dizia o Pajé. Lembrando das palavras do xamã, o curumim corria feito fecha pela mata, morro abaixo.

Em sua corrida ultrapassa insetos, flores, troncos caídos, poças de lama... com uma agilidade absurda. A trilha termina num barranco às margens do rio. Quando o chão acaba, ele se lança no ar. Seu corpo brilha no sol por um instante e então mergulha no rio maravilhoso que o recebe como um pai saudoso de seu filho.

Saio do transe quando um garoto liga um funk no celular. Desembarco três pontos depois do meu e me jogo no rio, para voltar à realidade. Feliz semana do Meio Ambiente.

Rodrigo Espinosa Cabral


Rodrigo Espinosa Cabral

Rodrigo Espinosa Cabral, brasileiro, vegetariano, gremista. Um pedaço de poeira cósmica que, às vezes, escreve. Palavra Andante, um passeio pelo mundo das letras.

rodrigoec@gmail.com