Numa pequena escola, em uma periferia do Brasil, um aluno chega para a professora e diz:
— Sora, larga dessa vida.
— O quê?
— Larga mão, sora.
Ela já tinha cansado de pedir para ser chamada de “professora” e agora tentava se concentrar apenas na mensagem.
— Largar o quê, menino?
— Ó eu aqui. Ganho bem mais do que você.
— Ganha?
— Ganho, ó: tênis de marca, boné daora... tudo vendendo baguio.
Ela respira fundo. Aquela situação não estava no plano de ensino. Nem nos livros da faculdade.
— É, pode ganhar bem. Mas tua carreira é curta.
Ele para, olha para ela por um instante e muda de argumento:
— Mas eu que mando aqui na quebrada. Aqui todo mundo me conhece e me respeita, tá ligado.
— Estou. Estou ligada, sim. Venho todos os dias aqui onde você mora. Já vi que aqui não tem calçamento na rua. E nem esgoto. Tem lixo jogado por tudo que é lado. Quando chove fica um barral. Tem 400 cachorros, gatos e cavalos sofridos abandonados por aí. Sem falar nas criancinhas... Por que será que tudo aqui anda tão esquecido?
Era um momento novo para ele, pensar sua vida a partir do ponto de vista da professora.
— E mais, o que adianta ter tênis de marca, mas unha suja?— perguntou com um sorriso carinhoso de quem trata os alunos como se fossem filhos queridos.
— Também não avacalha, né sora! — disse rindo. Conhecia a professora há dois anos e gostava dela.
— Tudo bem, mas o que adianta caminhar calçando 300 reais em cada pé, mas tendo que desviar da lama e das poças?
Ele parou e ficou em silêncio. Pensava. Seu pensamento calçava as ruas, vestia as crianças e limpava seus ranhos. Não gostava de ouvir o que ela falava, mas sabia que era verdade. Para a professora também era um diálogo inusitado. Abria a grade curricular e libertava o pensamento.
Se olhasse pela janela, veria que Paulo Freire passeava pela rua.
Rodrigo Espinosa Cabral