Embaixo das cobertas há um país verdadeiramente tropical. Térmico. Caliente. Um país que sonha e seus sonhos se realizam dentro do próprio sonho.
Entre a superfície reta do colchão e a cordilheira de mantas que cobrem o corpo há uma sociedade amorosa e quase sustentável. Pode até haver alguma poluição sonora, mas ela é logo sacudida e repreendida. Seus cidadãos reagem e a atmosfera quente das cobertas absorve os problemas.
Os habitantes deste país estão no lucro. Ninguém paga imposto e nem é obrigado a votar. Seu relevo é seguro e o trânsito geralmente é tranquilo.
Para os que nele residem solitários, este país vai, aos poucos, acumulando o calor e gerando conforto. É uma espécie de útero retangular, quentinho e escuro, que nos protege e nos renova.
Há Estados compostos por duas pessoas sob o mesmo teto de algodão. Nossa equipe de reportagem não obteve autorização para mostrar em detalhes o que acontece ali. Mas há relatos de que, para os que dividem este país com outra pessoa, o calor da população vai se somando, emanando, navegando para além de si e aportando no outro. No breve espaço de estar ali, na fronteira dos corpos. É o inverno invertido. Um verão a parte, na madrugada fria do mundo.
Independente da densidade demográfica, o povo deste país poligonal tem em si a possibilidade de acessar um portal transdimensional. Quando fecham os olhos, seus compatriotas migram para sonhos distantes, outras terras, tempos longínquos, situações surreais, aventuras perigosas, sensuais e enigmáticas... Contudo, em algum momento, voltam ao aeroporto seguro da cama.
Diz a lenda que o guitarrista Keith Richards recebeu os acordes de "Satisfaction" durante o sonho e pôde registrar o esqueleto da música, graças a um pequeno gravador que deixara ao lado da cama. A música alçou o Stones à fama mundial. O químico August Kekulé, cansado de estudar a estrutura dos átomos, adormeceu em frente à lareira. No sonho, sua mente lhe mostrou os átomos dançando em movimentos de cobra que mordia a própria cauda. A visão foi fundamental para que o cientista elaborasse a estrutura cíclica do benzeno. Há inúmeros outros casos da importância da interface onírica em nossas vidas.
Ainda não temos tecnologia para entrar no mundo dos sonhos com câmeras e internet WiFi para trazer ou transmitir suas relíquias para a nossa realidade em tempo real, mas #fica a dica: deixe papel e caneta por perto da cama. Ou um gravador (o celular que grava áudio e vídeo...). Quem sabe você consegue registrar fragmentos de algo importante para a sua vida ou para a sociedade aqui fora. Boa viagem.
Rodrigo Espinosa Cabral