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Crônicas

O dedo e a tecla


Sou cria da datilografia, aprendi a reconhecer o teclado com o clássico exercício: asdfg espaço hjklç espaço... Na máquina de escrever, tudo é mecânico e se deve dedicar força maior que no teclado do computador... Aprendendo a datilografar, aprendi também que cada dedo tem suas letras certas e, assim, usando oito dedos para as letras e os polegares para a barra de espaço, o trabalho de pôr as ideias no papel é muito mais rápido e prático, afinal, nossa mente funciona numa velocidade infinitamente maior que os dedos, ou qualquer outra parte do corpo...

Nunca fui um exímio datilógrafo, tampouco sou um digitador habilidoso, mas me viro muito bem por usar quase todos os dedos nesta tarefa, no entanto, às vezes penso que estou diante de uma máquina de escrever e uso força demais para digitar... Talvez seja este o grande motivo da letra “A” do meu teclado ter se soltado, num ato de extrema rebeldia e protesto contra meu dedo mindinho da mão esquerda... Tentei, de todo jeito, recolocá-la, em vão... Ela recusava render-se ao encaixe que a segurou até então. Conversando com um técnico, descobri que não havia jeito do “A” voltar ao seu lugar, havia quebrado uma peça minúscula e, a solução seria trocar o teclado inteiro...

Que lástima! Pensei com meus botões... Na verdade foi com o cordão do meu roupão mesmo... O capitalismo exerce muito bem o seu papel de tornar os produtos obsoletos o mais rápido possível para que o consumidor tenha que substituí-lo, mesmo sem necessidade aparente... Pesquisando pelos sítios de compra na Internet, percebo que a obsolescência é ainda mais nítida, pois só se encontra o dito teclado para o tal notebook de tal modelo, se for usado, ou seja, de algum computador que tenha sido danificado de tal forma que o proprietário resolveu vender as peças separadas... Encontrei um, mas ao contatar o proprietário, recebi a informação que já tinha sido vendido... Menos mal... Não fui o único a passar por este problema...

As grandes empresas não se importam com a durabilidade de seus produtos, pois precisam vender mais... Para vender mais, é necessário que a mercadoria dure pouco e não se ofereça reparos satisfatórios... Sendo assim, terei que substituir meu computador só por causa de uma letra danificada... Ainda funciona, mas é preciso ter uma mira muito boa no mindinho pra acertar a borrachinha do sensor... `s vezes, el se recus a precer, me obrigndo a insistir e pertr mis forte, como eu fzia n m´quin de escrever... Toda a praticidade do meu teclado ficou comprometida com a falta de uma letra. E tinha que ser justamente a primeira do alfabeto... Já pensou se as outras resolvem seguir o exemplo da líder? Logo terei uma rebelião no meu teclado...

Como sempre, estou aprendendo muito com este fato: Primeiro, cada vez que preciso digitar a letra “A”, minha mente e meus dedos param sua rotina para dar a ela uma atenção especial, afinal, agora ela é uma tecla com necessidades especiais e tem que ser respeitada dentro de suas limitações, exemplo que deveria ser seguido pelos seres humanos...

Aprendi também que, como esta letra, todos nós somos importantes nos grupos sociais aos quais pertencemos e, se não desempenharmos bem nosso papel, comprometeremos consideravelmente o trabalho de todo o grupo...

Por fim, aprendi que um computador de 2009 já não serve para 2014, está muito velho aos olhos do consumismo, haja vista o fato de não se ter um teclado padronizado, muito menos a produção dele para substituições futuras... Infelizmente, precisarei comprar um novo notebook, como acontece com a maioria dos produtos, feitos para se tornarem obsoletos o mais rápido possível... Enqunto isso, vou me virndo sem a letra “A” mesmo...

Márcio Roberto Goes


Márcio Roberto Goes

Professor de Língua Portuguesa, língua Espanhola e suas respectivas literaturas, efetivo na rede estadual de ensino de Santa Catarina, graduado em Letras pela Unc, antigo campus de Caçador e especialista em análise e produção textual pela FAVEST. Escritor, palestrante, diretor artístico e locutor da Web rádio Ativa Caçador. Membro da Academia Caçadorense de Letras e Artes.

marciogrm@yahoo.com.br