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Crônicas

O tiozão


O tiozão, quarentão como a PJ, foi convidado a participar do retiro de jovens... “Bobagem...” pensava ele: “O que vou fazer no meio daquela piazada?...” E o tiozão então procurava subterfúgios para justificar, antecipadamente sua ausência... Mas a fé e a persistência dos jovens em convidá-lo foi mais forte. A última desculpa foi: “Não consigo substituto para dar aula no meu lugar na sexta-feira à noite.” - Dizia ele ao telefone a um dos organizadores do evento... Alguns minutos depois, a ligação é retornada com a notícia de que haviam arrumado alguém para substituí-lo e que ele não precisava se preocupar... Naquele momento, o tiozão se deparou com um choque de realidade, concomitante a mais uma crise existencial... “Por que os jovens insistiam em ter um quarentão participando do retiro com eles?...

Então o tiozão lembrou daquele frase que, por várias vezes usou para criticar as práticas de vitrine exercidas por algumas lideranças da Igreja: “É preciso calçar as sandálias do povo!”... Ele estava recebendo um chamado para calçar novamente as sandálias da juventude, viver intensamente, mesmo que por três dias, suas angústias, conflitos físicos e morais, esperanças, temores e utopias... Então o jovem, portador de alguns fios de cabelos brancos e uma barba manchada de geada, retirou a pedra de seu peito e colocou de volta aquele coração apaixonado pela juventude e suas causas. O tiozão, então foi para o retiro de corpo, alma e coração abertos para ouvir, falar e viver a juventude que ansiava por vir à tona novamente, só faltava um empurrão...

Foram três dias de redescobertas: Cantou, tentou acompanhar as coreografias, abraçou, foi abraçado... Abraços verdadeiros, apertados, cheios de amor... Riu de doer a barriga, chorou de puxar ranho... Viveu intensamente, descobriu que a juventude não está na data de nascimento, ou na cor dos cabelos... Descobriu também que a fórmula da eterna juventude é estar sempre no meio dos jovens, lado a lado com as lutas de uma juventude tão desacreditada, atualmente, por muitos daqueles que se dizem adultos e maduros...

Ao receber notícias da família e do melhor amigo, descobriu coisas a seu respeito que nem ele sabia, talvez por estarem escondidas num lugar onde só quem ama pode perceber... E, de repente, o tiozão era um deles, escondido no meio da pequena multidão que andava de mãos dadas pelas ruas do Bom Jesus, de camiseta branca, exatamente igual aos demais, porém vivendo sua autenticidade que, somada às outras, formava uma grande corrente jovem que aprendera a identificar Jesus nos invisíveis da sociedade, tirar o messias dos altares e trazê-lo para junto do povo, onde sempre esteve...

E aí, o tiozão descobriu que as causas da juventude eram também os sonhos de Deus... E que os sonhos de Deus se identificavam com os seus sonhos... Mais uma vez, o tiozão chorou... Aquele choro de quem teve sua alma missionária despertada novamente pelos jovens que um dia, se descobriram missionários com sua contribuição e que hoje retribuem da melhor forma possível: Injetando mais juventude nas veias do quarentão...

Márcio Roberto Goes
O tiozão
40 anos de juventude acumulada


Márcio Roberto Goes

Professor de Língua Portuguesa, língua Espanhola e suas respectivas literaturas, efetivo na rede estadual de ensino de Santa Catarina, graduado em Letras pela Unc, antigo campus de Caçador e especialista em análise e produção textual pela FAVEST. Escritor, palestrante, diretor artístico e locutor da Web rádio Ativa Caçador. Membro da Academia Caçadorense de Letras e Artes.

marciogrm@yahoo.com.br