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Crônicas

Duas semanas desconectado


Primeiro dia. Ligo para a operadora e, depois de mais ou menos vinte minutos ouvindo uma musiquinha chata, uma gravação me dizendo as opções que eu deveria teclar, e a empresa se gabando que é patrocinadora da copa e tals, consigo, finalmente falar com um ser vido que me pede, novamente, todos aqueles dados que acabei de teclar. Parece que a atendente não confia nos meus dedos, portanto, meus lábios devem repetir tudo...

- Meu telefone está mudo e a Internet não funciona desde ontem... Falo calmamente com a moça que me pede para aguardar mais um pouco... Fico, então, ouvindo os ruídos do teclado...

- Estarei encaminhando o senhor para o suporte técnico... Me informa a moça, depois de mais alguns minutos de espera...

Mais música chata, mais informações gabolas sobre a empresa e uma voz me chama depois de eu ter tirado um cochilo ao lado do celular no viva-voz:

- O senhor pode me informar os três primeiros dígitos do CPF do titular da linha?...

E não para por aí... Tenho que repetir tudo o que eu teclei e o que falei para a atendente anterior... O rapaz com voz de gripe  e parecendo ter uma batata quente na boca, me diz que um técnico vai me visitar em sete dias... O jeito é esperar, pensava eu, enquanto terminava meu contato agradecendo...

Os sete dias seguintes foram de muitas realizações em minha vida... Percebi que minha casa tinha assoalho e o varri, a louça parou limpa e guardada, consegui dormir antes da meia noite, conversei mais ao celular, assisti mais televisão, brinquei mais com meus cachorros, passei toda a roupa que esperava no cesto... Enfim, cumpri meus compromissos de homem que mora sozinho em sua confortável meia-água própria de madeira...

Sétimo dia: Nada, ninguém, nenhum sinal do telefone, ou do técnico para resolver o problema... Nova ligação para o suporte... Nova sequência de gabolices antes das opções... Repeti toda a ladainha para a atendente e, desta vez, nada calmo pergunto: Vão resolver o meu problema, ou não? Quero cancelar a conta do telefone fixo, Internet e TV a cabo, já que ninguém me dá satisfações...

De repente, meu celular fica mudo por alguns segundos e sou atendido por outro ser humano que me faz repetir toda a via sacra...

- Ué... Por que mudou a pessoa que estava me atendendo?... Pergunto, indignado... O rapaz me justifica o fato de a minha ligação ter sido transferida para ele por se tratar de um técnico. Em seguida me explica que minha solicitação anterior não foi atendida por conta de uma greve dos funcionários da empreiteira que presta serviços à operadora...

- Vou abrir um novo chamado, senhor.

 Resumindo: mais sete dias de prazo... Mais uma semana fazendo coisas úteis que não faria se estivesse conectado... Aliás, a tecnologia não nos deixa ver o mundo ao nosso redor... Desta vez, caiu também o sinal da TV por assinatura... Então, percebi que o tempo frio e a geada mataram o pé de chuchu que escondia a cerca de tela que separa meu terreno e o do vizinho. Percebi que tenho vizinhos, perdi mais tempo batendo papo encostado na cerca, fiz reparos em alguns cabos e equipamentos de som que há muito tempo estavam na fila para serem arrumados, organizei o quarto e o estúdio...

Para mim, a situação não é agradável, mas penso que é muito pior para os funcionários em greve, tendo que parar tudo para que aqueles que estão na cadeira de quem pensa que manda enxerguem os seres humanos que se escondem nos funcionários mal remunerados e obrigados a trabalhar em condições precárias... Também já fiz greve, também já fui à luta por dignidade, também mostrei a cara na rua em favor das causas populares, portanto, ofereço meu desconforto como apoio aos trabalhadores que estão nesta luta...

Exatamente no sétimo dia do segundo prazo dado pela empresa, justamente quando eu já reunia a documentação para procurar o PROCON, eis que o telefone e a Internet voltam da mesmo forma que sumiram... Que maravilha! Estou conectado de novo! Eu existo! Sou real... Sou virtual... Sou gente... Só a TV por assinatura ainda se recusa a me dar o ar da graça... Foi difícil, porém suportável, conviver com a ausência destas tecnologias, mas o pior de todos os desconfortos foi ter que assistir ao jogo tenso da seleção brasileira contra o Chile na Poderosa do Plim! Plim!, Sendo obrigado a ouvir aquele narrador famoso idolatrando o Neymar. Acho até que o menino do penteado de galo véio merece elogios, mas futebol é um esporte coletivo e valorizar o talento de um só jogador é menosprezar o trabalho de toda a equipe...

Márcio Roberto Goes


Márcio Roberto Goes

Professor de Língua Portuguesa, língua Espanhola e suas respectivas literaturas, efetivo na rede estadual de ensino de Santa Catarina, graduado em Letras pela Unc, antigo campus de Caçador e especialista em análise e produção textual pela FAVEST. Escritor, palestrante, diretor artístico e locutor da Web rádio Ativa Caçador. Membro da Academia Caçadorense de Letras e Artes.

marciogrm@yahoo.com.br