Se Enxergue
Gosto muito da expressão “se enxergue”. Penso que ela é genuína aqui da serra catarinense. Você não ouve “se enxergue” no litoral ou na televisão.
Quando alguém te diz “se enxergue”, significa que:
* a pessoa se importa com você;
* a pessoa usou um termo antigo, ou seja, um presente das nonas.
Olho com carinho para essas frases que atravessam gerações, séculos. Há sabedoria nelas. Quando alguém nos diz “se exergue”, é um tipo de máquina do tempo que a pessoa ativa. É um jeito de pisar numa trilha histórica. É como se o seu trisavô, que você não conheceu, te olhasse e falasse com você. As palavras dele saindo por entre os fios brancos de uma barba espessa. “Má-que-tipo. Se enxergue!”
Os ditados populares carregam essa sabedoria do porta-malas. Às vezes podem até não funcionar ou trazer algo que não sirva aqui no século XXI. Mas, no geral, são palavras que ajudam.
Você pode dizer: “mas se tem coisa que eu detesto é que alguém me diga se enxergue. Eu viro um bicho”. Nesse caso, ofuscado pela raiva, você não está enxergando muito bem :D...
Ou quem sabe você pense que, quando nos falam “se enxergue” é porque querem nos travar, nos reprimir.
Sim. E não.
Sim, querem. Nós humanos somos criados (por amor e segurança) com limites. E moramos numa sociedade cheia de barreiras. Mas o “se enxergue” é um guarda compreensivo. Ele te reprime só até a página 10.
Da página 11 em diante é com você. Você vai ter que se enxergar, ou seja, você tem que olhar no espelho de si mesmo. Lá dentro. O poeta japonês Matsuo Bashô dizia que “a viagem mais para fora é a viagem mais para dentro”.
Em seu interior tem um caminho iluminado. Quando a gente se enxerga, se analisa, pode descobrir outras estradas, fazer novos rumos. Então aquele lembrete dos antigos “se enxergue” não nos reprime tanto, não impede que a gente faça algo. Mas sugere que seja feito com responsabilidade. Com mais consciência.
Rodrigo Espinosa Cabral