O GUARDA-CANA
Uma praça... Um banco... Um homem deitado... Seus dois melhores amigos por perto: um cão e um litro de cachaça (aprecie com moderação... O cão). O litro jogado ao chão, já vazio... O homem jogado no banco, já quase cheio (da vida e da cachaça)... O cão jogado pela vida, mas de prontidão, cheio de orgulho por seu dono “tomado” pela bebida que antes era inofensiva dentro do litro, mas agora torna-se doce veneno que faz o homem esquecer da vida cheia de desassossegos e vazia de oportunidades, pelo menos para um bêbado deitado no banco da praça às quinze horas de uma daquelas quintas-feiras cinzentas de sua vida...
Uma praça... Um banco... Um homem... Qualquer homem... João-ninguém, que poderia ser alguém, mas está embriagado e jogado naquele banco frio, sujo, desconfortável, para ele um divã, cujo psicólogo é nada mais que um cachorro de prontidão, desnecessário, pois ninguém aproxima-se de seu herói, sequer para saber se ainda vive, julgá-lo, culpar o boteco da esquina, rebaixá-lo orgulhando-se de não estar na mesma situação, ou quem sabe, ajudá-lo de alguma maneira exibicionista e hipócrita, ou mesmo prestá-lo, de coração, a merecida assistência, enquanto ser humano...
Uma praça... Um banco... Um homem... Qualquer homem... Maltrapilho sem família... Em casa (se tiver), uma família sem seu maltrapilho mor, preocupada com a ausência (ou não) de seu membro mais sublime... O cachorro de orelhas em pé... O homem de braços caídos... O litro deitado no solo, tão inútil quanto o homem: ambos já foram úteis... O enchimento de um e o esvaziamento do outro, os tornaram desnecessários... Pior: um estorvo para a sociedade... Eles não podem continuar ali: incomodam... Estorvam... Atrapalham... Enojam... Desanimam... Mas ninguém faz nada. Por quê? Medo da reação do vira-lata ou da sociedade?
Uma praça... Um banco... Um homem... Qualquer homem... Um cão de guarda... Qualquer cão que ocupa a vaga de melhor amigo de alguém, com um agravante: Esse alguém é um dependente químico, ou simplesmente um bêbado que também merece ter um melhor amigo, com um agravante: seu melhor amigo é um cão, que merece ter um dono... Quem é o dono de quem?... Quem protege quem?...
Uma praça... Um banco... Um homem... Qualquer homem inconsciente, contando com a assistência de um quadrúpede consciente, que o protege dos outros conscientes bípedes e da sua justiça que foi injusta com aquele que perdeu a consciência, a identidade e as oportunidades da vida... Que vida?... Que oportunidades?... Que identidade?... Que consciência?... Que sociedade?... Que cidade?... Que país?...
Que praça?... Que banco?... Que homem?... Que cachorro?...
Márcio Roberto Goes
Quem?...
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