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Crônicas


Voto do além

Após “baixar a poeira” das eleições municipais ainda me recordo de algumas cenas infelizmente corriqueiras em uma época de campanha. Fatos que chegam a ser hilários em meio à corrupção aberta e explícita que ainda sobrevoa todo pleito, apesar das restrições feitas pela justiça eleitoral.

Em certa comunidade retirada do centro, andávamos com um de nossos candidatos a vereador, de porta em porta, pedindo voto de forma limpa e transparente, procurando discutir as idéias socialistas com o povo daquela localidade. Quando conversávamos com uma senhora que nos atendeu da janela mesmo e demonstrou estar pouco, ou nada interessada naquela conversa... O que ela queria mesmo era levar vantagem de alguma forma, a julgar por suas palavras claras e objetivas:

- “Olha moço! Eu vou votar naquele candidato que me der umas madeiras para construir um barraquinho pro meu filho que vai casar. Mas tem que ser antes das eleições, porque depois ninguém mais aparece” -  (não posso discordar deste detalhe...).

Percebi então que não adiantava nada falar de programa de habitação, ou de casas populares. Ela não pensava no bem comum, só no seu umbigo, como grande parte dos eleitores... Aliás, isso me faz lembrar a campanha anterior, quando a equipe de um dos candidatos tentava expor um plano habitacional para pessoas que viviam debaixo de lonas e a resposta foi a seguinte:

- “Nós só queremos uma lona nova e isso o amarelinho bicudo já prometeu.”

E por falar em ave em extinção, dois dias antes das eleições, ao chegar em casa tive uma surpresa incomensurável: Na minha caixa de correio, três cartas pedindo voto para um dos candidatos a prefeito, com diferentes remetentes. Uma endereçada a mim e duas para meu pai. Todas as três falavam das coisas boas feitas pelo candidato até então, e das coisas ruins feitas (ou não) pelo seu principal opositor, algumas coisas até tinham fundamento, mas a maioria das palavras parecia rinha de “piá ranhento” que perdeu a pelada na rua e guarda ódio pelo seu adversário. Até aí tudo bem, pois os candidatos devem aparecer e pedir o voto, ou seja, para se fazer uma boa campanha, deve-se expor e fazer o marketing pessoal, do contrário, ninguém poderá adivinhar o que o fulano fez ou poderá fazer pelo bem comum.

Tudo estaria normal se não fosse um pequeno detalhe: Meu pai faleceu há mais de dois anos, além disso, antes de partir dessa pra melhor, já fazia dezesseis anos que ele não morava e nem votava mais em Caçador.

Sinceramente, não sei qual é a vantagem de se pedir voto para um defunto... Talvez o candidato acreditasse numa força divina que o intercedesse lá no céu, ou que a família se comovesse com tamanha dedicação ao nosso finado pai e descarregasse todos os votos neste vivente.

Teoricamente, todo cidadão tem o direito de votar e ser votado, desta forma, já que meu pai recebeu duas cartas pedindo voto, mesmo estando na glória eterna, estou pensando seriamente em lançá-lo como candidato a deputado nas próximas eleições, já que dos vivos, até o presente momento, não vi nenhum projeto realmente favorável ao povo que os elegeu.

Márcio Roberto Goes
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Márcio Roberto Goes

Professor de Língua Portuguesa, língua Espanhola e suas respectivas literaturas, efetivo na rede estadual de ensino de Santa Catarina, graduado em Letras pela Unc, antigo campus de Caçador e especialista em análise e produção textual pela FAVEST. Escritor, palestrante, diretor artístico e locutor da Web rádio Ativa Caçador. Membro da Academia Caçadorense de Letras e Artes.

marciogrm@yahoo.com.br