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Crônicas

Instinto materno


Vendo algumas imagens da tragédia acontecida em Minas Gerais por causa da ganância daqueles que se acham grandes porque estão de posse da maioria do dinheiro em circulação, começo a acionar minha mente inquieta para vários pontos. Muitas pessoas escreveram e escreverão sobre isso, tenho certeza, portanto, não quero entrar nessa concorrência, só deixo bem claro que sempre serei a favor da vida, de qualquer forma de vida, principalmente aquelas que se tornam mais frágeis em decorrência da cobiça..

Muitos fatos me chamaram a atenção neste episódio, mas um deles inspirou esta cônica que deve manter sua fama de abordar assuntos corriqueiros, principalmente aqueles que o resto do mundo não vê... Uma imagem, em especial me fez refletir. Enquanto todos buscavam seres humanos entre o lamaçal (e com razão... é assim mesmo que tem que ser: prioridade para nossos semelhantes) um cachorro tentava correr contra o tempo e a lama para salvar a própria vida, meio indeciso, um pouco olhava para trás, um pouco corria para frente. Com certeza, se seu dono estivesse por perto, tentaria salvá-lo primeiro...

Os animais têm muito a nos ensinar. Isso me remeteu a uma cena que presenciei hoje a tarde na minha residência oficial dos dias de chuva e de sol... Minha cadelinha mestiça, a Nala, teve uma conjunção carnal com meu labrador, o Simba. Desta relação originaram-se sete lindos filhotes. Um morreu no primeiro dia  e os outros seis crescem lindos e fortes há quase três meses... Uma cachorrinha ainda não foi adotada, e a mamãe coruja passa a maior parte do tempo tentando protegê-la, apesar de já estar desmamando...

A filhote pretinha, ainda sem nome, mas com vários apelidos carinhosos, mantinha-se num cercadinho aos fundos de minha meia-água própria na companhia de sua mãe que, às vezes pulava o portão para conferir o mundo aqui fora...

Há alguns dias, tenho deixado o portão aberto enquanto estou em casa, mas a pequeninha nunca teve coragem de ultrapassar o limite entre o cercadinho e do resto do mundo. Hoje, resolveu arriscar e eu, como um ser humano que ama os animais, sobretudo cachorros, fiquei a observar da porta. Cada vez que a filhotinha tentava avançar pela escada, sua mãe a reprendia latindo e rosnando, ao que arrisco traduzir: - Não saia daí, lá embaixo pode ser perigoso...

Não sendo obedecida, a Nala começa a cercar a pretinha a fim de que ela não ultrapasse a linha imaginária do perigo. Faz várias tentativas sem sucesso contra a teimosia da mocinha quase rebelde. Então a mamãe coruja toma uma atitude radical: Tenta carregá-la pelo cangote e arrastá-la de volta para o cercadinho. Mas esqueceu que sua filha crescera e não seria possível carregá-la sem machucar...

Uma cadela empurrando o filhote com o focinho, tentando carregá-lo, ou arrastá-lo para um lugar seguro nos ensina mais sobre amor materno do que muitos exemplos de seres humanos desumanizados por aí... Como seria lindo se os humanos seguissem esse exemplo e lutassem pela proteção de seus semelhantes, em vez de tentar destruí-los por se julgarem melhores, ou mais poderosos...

Que mundo é esse em que os cachorros se protegem com todas as forças e as gentes lutam entre si por terras, poder, e o que é pior, por causa de dinheiro? Pedaços de papel que deveriam servir para melhorar a vida das pessoas, mas, ao contrário, são motivos de conflitos... De um lado, armas mortais destroem com atitudes chamadas por alguns de terrorismo... De outro, uma grande empresa, por erro de vistoria e excesso de cobiça, destrói comunidades inteiras, vidas, culturas, histórias, transformando tudo em lama...

Vivemos em comunidade desde os primórdios da humanidade, pois assim, juntos somos mais fortes... Mas a desgraça começou quando passamos a acreditar que uns são melhores que os outros, numa ilusão sem fim que mata, destrói, ameaça, aterroriza, espanta aqueles que são taxados como inferiores... Não entendo essa lógica marginalizadora, excludente e desumana... Prefiro entender a lógica humana e materna da minha cachorrada que a cada dia me ensinam a viver melhor  e mais generosamente...

Vídeo, clique aqui.

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Márcio Roberto Goes

Professor de Língua Portuguesa, língua Espanhola e suas respectivas literaturas, efetivo na rede estadual de ensino de Santa Catarina, graduado em Letras pela Unc, antigo campus de Caçador e especialista em análise e produção textual pela FAVEST. Escritor, palestrante, diretor artístico e locutor da Web rádio Ativa Caçador. Membro da Academia Caçadorense de Letras e Artes.

marciogrm@yahoo.com.br