Assim cantava o ratinho do Castelo Rá Tim Bum: “Meu pé, meu querido pé que me aguenta o dia inteiro”... Quantas vezes, na vida lembramos de alguma parte do nosso corpo?... Quantas vezes lembramos que temos joelho, cotovelo, dedo mínimo, ou pé?... Na maioria das vezes, só percebemos que os temos quando batemos na quina da mesa, enroscamos em algum móvel, ou machucamos de alguma forma...
Pois é... Num certo domingo, este que vos escreve, permanece acordado desde as cinco e meia (fato raríssimo) para tomar café com o mano véio, vindo de Blumenau, especialmente para participar do circuito patrocinado por um plano de saúde, como exímio corredor que é...
Na largada, fotos, aplausos e incentivos para nosso irmão mais velho já na casa dos cinquenta, porém com disposição de dar inveja a qualquer novinho... Depois da largada, só nos restava esperar a chegada... Mais fotos, risos, palhaçadas com a irmã e a sobrinha e eis que se passaram dez minutos até que tive uma brilhante ideia: “Vamos procurar um lugar aberto para fazermos um lanchinho”... Nos dirigimos até o carro oficial da família e, ao subir no canteiro central a fim de atravessar a rua Santa Catarina isolada por cones coloridos que serviram de chapéu em algumas fotos anteriores, eis que, na descida do canteiro lembrei que eu tenho pé direito... E da pior forma possível, virando-o violentamente...
E lá estava eu, empacotado no chão, com uma dor terrível no pé que quase virou no avesso sentindo o asfalto nas mãos e joelhos como nunca havia sentido antes... Primeira tentativa de voltar à vertical frustrada pela dor... O jeito foi tentar de novo imitando o saci até o carro... Minha irmã, sempre sensata, suspendeu nossa procura por lanche e me levou direto ao pronto socorro, onde tive, pela primeira vez a sensação de ser transportado por uma cadeira de rodas... Gostei, mas confesso que não é um sonho para a vida toda...
Enquanto esperava atendimento, já fazia algumas ligações, tentando emprestar muletas, acreditando ser este meu transporte nos próximos dias... Novo encaminhamento, agora para o hospital, para me encontrar com o ortopedista e fazer uma radiografia com o intuito de saber se não houve fratura... Novamente, a cadeira de rodas foi meu transporte, pilotada pela mana guerreira de sempre, a Martinha...
Já no hospital fiz fotos de todos os ângulos do meu queridíssimo pé direito, fotos profundas, radiografias... E o diagnóstico: Não houve fratura, só luxação que seria resolvida com antibióticos, anti-inflamatórios, gelo e repouso... Confesso que o último item me agradou bastante...
Ao retornar para minha residência oficial, de carona com a sobrinha e com a ajuda do amigo Paulinho para levar a moto, descobri, ou melhor, lembrei que tenho também um pé esquerdo que teve que fazer o serviço dos dois para eu poder subir as escadas até meu querido lar... Tenho amigos cadeirantes e com mobilidades limitadas, sempre os respeitei, mas agora, de fato, senti na pele o que é ter uma parte do corpo que não pode cumprir seu papel...
Às vezes, somos como meu pé direito: Por algum fato inesperado, deixamos de cumprir nossa função normal em nossos círculos sociais e a recuperação só depende de nós... Dependemos, inevitavelmente, uns dos outros, com, ou sem problemas... Porém, precisamos vencer nossos preconceitos, limitações, buscar um pé esquerdo para fazer todo o trabalho por um tempo até que o direito se recupere, buscar encosto e auxílio ao que tiver ao redor, para dar sustentação enquanto a recuperação não é completa...
Porém, uma vez reestabelecias nossas funções normais, não devemos esperar uma nova limitação para lembrarmos de nosso papel, tampouco da importância das pessoas que nos cercam... Meu pé, meu sempre querido pé... Fica bem, cara, você é muito importante para mim, mas não esqueça todas as pessoas que se mobilizaram para ajudar na sua recuperação...
São assim os pés, são assim as partes do corpo... É assim a vida!
Márcio Roberto Goes