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Crônicas

Morte e vida


Já dizia minha mãe: “A única certeza que temos na vida é a morte“... Portanto o melhor a fazer, é aproveitar o intervalo... Alguns vivem tranquilamente este tempo, outros, nem tanto. É possível identificar ao nosso redor, muitas e muitas vidas perdidas por picuinhas, consumismo e ganância... Se formos analisar da ótica de minha mãe, não faz sentido acumular bens nem fama, pois no final é você, um caixão frio, algumas flores e gente chorando por todo lado... Aliás, todo defunto é bonzinho... Todo defunto era jovem demais para morrer... Todo defunto faz falta... Tudo isso mesmo que tenha sido um marginal na vida terrena, morrido com um século de vida e não tenha recebido a devida atenção dos demais seres vivos e humanos a sua volta...

É necessário nos empenharmos com tudo o que for possível para fazer e dizer o que pudermos para uma pessoa enquanto ela ainda está viva, porque depois só é possível homenageá-la com flores e oração, e jamais sentiremos sua presença física novamente. Deve ser por isso que, no dia de finados, vemos todos os túmulos enfeitados, limpos e organizados, mesmo que não se tenha feito isso pela pessoa enquanto vivia... Depois da morte, me parece um pouco tarde para se reconhecer o verdadeiro valor de uma vida...

Pois bem. Espero que as pessoas ao meu redor manifestem qualquer coisa positiva enquanto eu estou vivo, bom, bonito e crocante... Cantem para mim, me remetam suas orações, me ofereçam missas, tenham boas lembranças minhas e me informem disso, me façam homenagens sinceras, como muitas que já recebi... Por gentileza, tudo isso a tempo para que eu possa desfrutar dos bons sentimentos que têm por mim ainda em vida e, quando minha missão estiver cumprida por aqui, levarei para o andar de cima todo o amor que me ofereceram em vida e, se Deus quiser, terei a chance de retribuir tão, ou mais intensamente...

Porém, se ainda assim, o tempo não for suficiente para me dizer tudo o que desejam, ou para fazer por mim tudo que acham que mereço, vai aqui alguns pedidos para o dia do meu velório: Primeiro, só me sentirei bem com o choro sincero de saudades, não de arrependimento por não terem me dado a devida atenção... Assim pode ter certeza que, de onde estiver, vou agradecer do jeito que der por tanta dedicação a mim proferida...

Se for época de hortênsias, me alegrarei com elas ao redor do meu caixão, deixando tudo azul e repetindo o sucedido do velório de minha mãe... Também podem colocar todo tipo de flores ao meu redor, inclusive copo-de-leite, pois neste momento, a rinite alérgica não fará mais parte de meu corpo e não vou sentir nenhuma irritação no nariz nem nos olhos...

Se possível, montem uma banda completa na missa de corpo presente, com direito a violão, guitarra, baixo, acordeon e bateria e não se sintam envergonhados de bater palmas no ritmo da canção, minha alma estará cantando e batendo palmas junto... Alegrem-se por mais um conhecido, ou familiar que cumpriu sua missão neste planetinha terra...

Não se preocupem com caixão e coroas muito valiosos, pois para voltar ao pó comigo não será necessário muito investimento. Deixem os plásticos para serem reciclados e, como disse anteriormente, procurem flores naturais, fáceis de colher e baratas. A hortênsia é a mais em conta, custa apenas o empenho de retirá-la dos barrancos... Não quero luxo. Se ainda existir meu jaleco de ministro da Eucaristia, aquele paletozinho branco, quero ser enterrado com ele me vestindo... Por favor, tudo muito simples e barato... Quero que as coisas que compartilhei na Terra sejam muito mais valiosas que o caixão, ou qualquer outro ornamento do meu velório...

Agora, um desejo, talvez o único que possam considerar esquisito, mas é simbólico: Pelo menos por cinco minutos, quero que meu caixão fique no meio da rua do cemitério. Nem do lado de cima que fica o memorial dos ricos, nem do lado de baixo, onde encontra-se a casa mortuária dos pobres... Isso, para provar que, posso ter sido rico ou pobre, mas naquele momento não levarei nem as riquezas, nem as misérias adquiridas nesta vida, ali estarão só minhas obras e meus exemplos, que com certeza marcarão positiva, ou negativamente cada pessoa que estiver presenciando o ato...

Meu túmulo pode ser o mais simples possível e, se preferirem, me transformem em cinzas, mas antes retirem de mim tudo o que possa ajudar outras vidas. Não quero ser enterrado com qualquer órgão que ainda seja útil... Extraiam tudo e doem pra quem precisa, inclusive as córneas que, mesmo defeituosas, poderão fazer um cego enxergar, neste caso, podem entregar junto meus óculos...

Não sei o dia, mas tenho certeza que a morte física vai me visitar. Espero estar preparado para recebê-la e me adaptar à transição para uma nova vida... Mas, por favor! Repito: Se não tiver coragem de reconhecer quem eu sou em vida, não seja falso a ponto de se descabelar chorando no meu velório, pois será tarde para me convencer da importância que eu tinha em sua vida...

E, principalmente: Se não me amou, não me aceitou como eu sou e não reconheceu minha importância em vida, de nada adiantará ficar alisando e enchendo meu túmulo de arranjos em cima de um corpo que apodrece mais a cada dia... Só pela fé, nos encontraremos de novo um dia para rir de tudo isso e comprovar tudo aquilo que acreditamos... Vida e morte... Morte e vida... Eterna...

Márcio Roberto Goes
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Márcio Roberto Goes

Professor de Língua Portuguesa, língua Espanhola e suas respectivas literaturas, efetivo na rede estadual de ensino de Santa Catarina, graduado em Letras pela Unc, antigo campus de Caçador e especialista em análise e produção textual pela FAVEST. Escritor, palestrante, diretor artístico e locutor da Web rádio Ativa Caçador. Membro da Academia Caçadorense de Letras e Artes.

marciogrm@yahoo.com.br